Chorrochó, reflexões, saudade: Rogério Luiz de Menezes Ribeiro

18/10/2018 20:49

Anaxágoras, filósofo que viveu na Ásia Menor no século V, antes da era cristã, entendia que "deve haver uma natureza transcendental organizadora de todas as coisas".

Hoje sabemos que esse entendimento chama-se Deus. E não achamos que “deve haver”, somos convictos e seguros de que há. E acreditamos nele, porque é a razão de todas as coisas, visíveis e invisíveis. Só ele nos dá a vida e somente ele permite a morte.

Quando uma pessoa próxima ou conhecida se vai para a eternidade, quase sempre refletimos sobre a morte: o inesperado dela, sua irreversibilidade, o inalcançável de sua explicação e a dificuldade de entendê-la. Assim, cada vez mais vem a certeza de que existe a natureza transcendental de que falava Anaxágoras.

Vivo em meio à selvageria da cidade grande, preocupado com tempo e objetivos, envolto às incertezas de uma metrópole cruel e violenta, cada vez mais necessitada de calor humano. As multidões nos envolvem, sufocam, barbarizam a convivência. E nos distanciam de amigos, pessoas caras.

Essa realidade cruel e inominável me leva sempre a refletir. Aguça as lembranças de outro tempo, não muito longe e, não obstante, não muito perto. Permite que me lembre de pessoas com quem convivi em quadras memoráveis.

São imagens que ficaram, tocam, cutucam a vida, dilaceram em razão da saudade.

Há alguns anos faleceu em Chorrochó Rogério Luiz de Menezes Ribeiro. Homem já encaminhado na vida deixou pai, mãe, esposa, filhos e parentes dilacerados pela ausência. Descendente de família limpa, honrada, honesta.

Foi-se silenciosamente num mês de Maria, das mães, das flores. Cruel a partida, difícil o momento.  

Contudo, o que me ficou de Rogério, com quem convivi, além da saudade, foi a imagem que guardei de sua época de criança, o andar pelas calçadas de Chorrochó, os olhos claros de sua inocência de garoto bem comportado.

Essas lembranças ficaram, não se apagaram diante do correr apressado do tempo. Guardo dele esse retrato de menino puro, ingênuo, atencioso.  

Por que, às vezes, o cronista se perde nessas abstrações?

É para tornar mais leve o caminhar, suavizar os tropeços da vida e a incerteza do caminho a ser percorrido, se ainda há caminho a percorrer.

Essas boas recordações nos fazem mais humildes, mais conscientes e menos arrogantes diante da passagem da vida em direção à morte inevitável. É a memória salvando-nos do imponderável.

Nada existe mais seguro diante de nossas fragilidades do que lembrar que no passado, às vezes distante, convivemos com pessoas boas, indiferentes às maldades, que construíram a vida sem escalar o ombro do semelhante para sobressair-se.

Quando Rogério se foi, ainda era jovem, alegre, encantador.

Deixou a bondade como referência. E a saudade imorredoura, perdurável, presente.

 

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