Crítica ao PL 7672/10 – “Lei Menino Bernardo” (antiga “Lei da Palmada”)

10/06/2014 22:23
 
O projeto de lei nº 7.672/10 visa alterar a Lei nº 8.069/1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, para estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante; e altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
Inicialmente este projeto de lei tinha a denominação de “Lei da Palmada”, visto que estabelece um tratamento educativo perante as crianças e aos adolescentes isentando-os de castigos físicos, conforme supracitado. Neste ponto surge a primeira crítica, particularmente, frente a denominação e, logo adiante surge a crítica jurídica.
Assim sendo, a mudança de “Lei da Palmada” para “Lei Menino Bernardo”, visa claramente uma jogada política para fins de aprovação de um projeto de lei polêmico. É cediço que existe forte resistência social para aprovação deste projeto de lei. Claro que por ser inovador e de significativa mudança no modo de educação das crianças e dos adolescentes, a aprovação de longe não seria fácil ou de pouca discussão.
Contudo, a singela mudança na denominação pode parecer inocente, mas revela uma maneira experta de conseguir a aprovação do projeto, assim como foi. “Lei da Palmada”, aparentemente, tem um impacto negativo frente a sociedade, é certo que quando um projeto de lei sugere que os pais não terão mais um poder coercitivo para com os filhos e, ainda com a denominação de “palmada”, que é a maneira de castigo físico mais branda, aquele logicamente terá uma certa resistência social, isso sem levar em consideração o aspecto de aceitação cultural.
Este é o problema central, a “palmadinha educativa”, contudo deixemos para análise mais adiante, quando da crítica jurídica.
De outro modo, mesmo com a manutenção do corpo legal do projeto de lei, a mudança de denominação para “Lei Menino Bernardo”, sugere um viés apelativo ao sentimentalismo. O caso Menino Bernardo, é um caso atual, de grande comoção social e, noticiado intensamente pela mídia. A investigação desse caso leva a acreditar numa barbaridade, em tese, cometida pelo próprio pai do menino. 
Apesar disso, a analogia do PL 7672/10 com o menino Bernardo, é inconsistente. O caso Bernardo não se baseia na pura agressão a criança, existem outros fatores como a indiferença do pai para com ele, a motivação específica do crime, coautores, participes, entre outros que serão analisados em juízo. Assim, o caso foge um tanto da questão principal do projeto de lei.
O projeto é de aplicabilidade ampla na sociedade, nas famílias brasileiras. Sua aplicação tem maior profundidade e consequências sociais. A analogia bruta ao um crime bárbaro e midiático, só revela um descompromisso com as consequências do projeto de lei nas famílias, sua aplicação social e, uma jogada puramente política. 
Em continuidade, sem fazer a análise da historicidade brasileira na maneira de educar as crianças e adolescentes, surge a crítica jurídica. Sem maiores delongas, tem-se visivelmente uma crítica primordial a este projeto de lei.
Com vistas a Constituição Federal de 1988, é dever do Estado assegurar a assistência à cada ente integrante da família, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações, conforme art. 226§ 8º. A proteção para criança e ao adolescente também se positiva no art. 227, da Carta Magna, sendo que visa assegurar, dentre outros, o direito à vida, à saúde, educação, respeito e, colocando-lhes a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Por fim, tem-se o art. 229, da Constituição Federal, que impõe o dever dos pais em assistir, criar e educar os filhos menores.
É inegável que o Direito de Família foi inserido na proteção constitucional, hoje a família é vista sempre com uma perspectiva civil-constitucional. A família passou a ter uma função social e uma função eudemonista, conforme disposição dos autores Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (Novo curso de direito civil, Direito de família — As famílias em perspectiva constitucional, 2012, pg. 58):
“Aliás, ainda ressaltando a sua importância, em uma análise taxionômica, podemos ir além e concluir que, hoje, enquanto base da sociedade, a família, como outros institutos de Direito Privado, experimentou um verdadeiro processo de funcionalização, sendo, pois, dotada de uma função social.
Assim como a propriedade, o contrato, a empresa, a família também desempenha importante papel, e, sob o aspecto teleológico, é dotada de funcionalidade.
Enquanto base da sociedade, a família, hoje, tem a função de permitir, em uma visão filosófica-eudemonista, a cada um dos seus membros, a realização dos seus projetos pessoais de vida”.
Entretanto, mesmo tendo assegurado a Constituição Federal, o Estado a criar mecanismos para coibir a violência no âmbito das relações familiares, assim como a própria “Lei Maria da Penha”, deve fazê-lo com vistas ao princípio da intervenção mínima estatal no direito de família ou princípio do direito mínimo de família. 
Este princípio aponta para um intervenção mínima do Estado na família. O Estado não pode interferir sobremaneira nas relações familiares, sendo que somente para fins de proteção ou para assegurar garantias constitucionais, poderá fazê-lo. Assim, sendo a família a base da sociedade, tem proteção especial do Estado, mas não sua interferência direta. 
Dispõe Rodrigo da Cunha Pereira, apud Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, pg. 106/107):
“O Estado abandonou a sua figura de protetor-repressor, para assumir postura de Estado protetor-provedor-assistencialista, cuja tônica não é de uma total ingerência, mas, em algumas vezes, até mesmo de substituição à eventual lacuna deixada pela própria família como, por exemplo, no que concerne à educação e saúde dos filhos (cf. Art. 227 da Constituição Federal). A intervenção do Estado deve apenas e tão somente ter o condão de tutelar a família e dar-lhe garantias, inclusive de ampla manifestação de vontade e de que seus membros vivam em condições propícias à manutenção do núcleo afetivo. Essa tendência vem-se acentuando cada vez mais e tem como marco histórico a Declaração Universal dos Direitos do Homem, votada pela ONU em 10 de dezembro de 1948, quando estabeleceu em seu art. 16.3: A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado”.
Nesses moldes, não deve o Estado retirar a base socioeducativa da família, como bem estuda Pablo Stolze e Pamplona Filho:
“Ao Estado não cabe intervir no âmbito do Direito de Família ao ponto de aniquilar a sua base socioafetiva.
O seu papel, sim, como bem anotou RODRIGO DA CUNHA PEREIRA, traduz um modelo de apoio e assistência, e não de interferência agressiva, tal como se dá na previsão do planejamento familiar, que é de livre decisão do casal (art. 1.565§ 2.º, do Código Civil), ou na adoção de políticas de incentivo à colocação de crianças e adolescentes no seio de famílias substitutas, como previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente.” (Gagliano, Pablo Stolze/ Rodolfo Pamplona Filho. 2012, pg. 107)
A violência, a crueldade, exploração, negligência, devem ser coibidos fielmente pelo Estado, com vistas a proteção da criança e do adolescente. Contudo, já existem meios legais de proteção destes, com legislação geral e específica, a exemplo do Código Penal, “ECA”, “Lei Maria da Penha”, “Lei da Tortura”, entre outros. A aprovação do PL 7672/10, revela uma interferência máxima e desnecessária, beirando o absurdo, do Estado na família, fere o disposto na própria Carta Magna, assim como o princípio do direito mínimo de família. 
A família, deve observar as garantias constitucionais de proteção das crianças e dos adolescentes, porém o método de educação familiar é de exclusividade sua e, não dever do Estado ponderar o que é o não adequado para milhares de famílias brasileiras. A família tem o direito de ter seus próprios valores, seus próprios meios de efetivar a educação dos seus filhos. Caso contrário estaria o Estado intervindo no poder familiar. 
Por fim, não é o caso de se fazer uma crítica as políticas públicas do Estado, o que seria tema para outro artigo. Contudo, para interferir no modo de educação dos “filhos brasileiros”, o Estado deve proporcionar políticas públicas suficientes à educação ideal das crianças e dos adolescentes. Não adianta, reprimir o modo de educação familiar de um lado e, de outro não estabelecer métodos que supram esta necessidade familiar e social. Caso contrário, com a vigência da Lei, corre um sério risco de criar consequências negativas e imprevistas ou, de ser uma norma sem nenhum efeito.
 
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