O motorista de ambulância que ajuda pacientes terminais a realizar últimos desejos

12/10/2020 23:35

 

Veldboer dirige uma fundação que leva pacientes em estado terminal a visitar pessoas e lugares que amam — Foto: Arquivo pessoal/BBC

Holandês Kees Veldboer ajudou milhares de pacientes terminais a fazer uma última visita a pessoas e lugares que mais amavam.

 

O trabalho diário de Kees Veldboer envolve viagens ao litoral, museus, zoológicos, aquários, instalações esportivas, igrejas e campos floridos, mas o holandês de 60 anos não é um guia turístico.

 

Por mais de uma década, ele ajudou milhares de pessoas com doenças terminais - pacientes que não podiam andar ou sair de seus quartos sozinhos - a ver seus lugares favoritos antes de morrer.

 

Ele contou à BBC sobre algumas dessas "viagens de despedida".

 

Correndo para o Vaticano

 

Veldboer diz que sua viagem mais memorável foi correr contra o tempo para chegar a Roma.

 

Em 2013, uma mulher acamada na casa dos 60 anos disse a ele que queria se encontrar com o Papa.

 

No site oficial da Santa Sé, ele descobriu quando o pontífice costumava sair para cumprimentar as pessoas. Viu ali uma chance razoável de sucesso e a levou de carro até o Vaticano, a cerca de 1,6 mil km de sua casa, em Roterdã, na Holanda.

 

"Eu a coloquei em uma maca bem na primeira fila (de frente para a Basílica de São Pedro)."

 

Havia algumas pessoas esperando em cadeiras de rodas, mas ela era a única deitada em uma maca. Como Veldboer previra, isso chamou a atenção do pontífice.

 

Ele desceu e falou com ela, e até a tocou e segurou sua mão.

 

"O Papa deu-lhe uma bênção e desejou-lhe força. Ele também desejou-lhe sorte na vida após a morte", disse Veldboer.

 

O momento proporcionou o conforto tão necessário para a mulher e, logo depois, iniciaram a viagem de volta.

 

A mulher morreu poucos dias depois de conhecer o Papa

 

Saudades do mar

 

Veldboer atendeu a muitos pedidos estranhos. Ele levou um paciente a estábulos e ajudou-o a se despedir de seu animal favorito. Muitos outros também quiseram se despedir de seus animais de estimação.

 

Ir e ver sua própria casa e vizinhança também é um desejo comum, e frequentemente há um forte interesse entre os que estão morrendo de assistir a partidas esportivas ou visitar museus, zoológicos e aquários.

 

Em uma ocasião, ele observou pacientemente um homem amarrado a uma maca tentando pegar um peixe.

 

Mas é o mar que parece ter um fascínio particular para muitos, o que surge como um mistério para Veldboer, que se descreve como "mais para um cara do tipo piscina".

 

Seu serviço permitiu até que pacientes mais aptos fizessem viagens curtas de barco ao mar.

 

Veldboer era paramédico e motorista de ambulância e viu a morte de perto por muitos anos. Ele diz que normalmente isso não o afeta.

 

A grande maioria das pessoas que Veldboer ajuda está na casa dos setenta, oitenta e noventa, mas às vezes é chamado para concretizar o último desejo de pacientes mais jovens, situação com a qual é mais difícil lidar, diz ele.

 

De partir o coração

 

"É compreensível que pessoas idosas morram. Mas às vezes parte meu coração ver jovens morrendo."

 

Em 2009, ele recebeu um telefonema de um jovem desesperado que buscou sua ajuda para trazer sua namorada para casa.

 

"Ela estava morrendo de câncer. O namorado dela queria tirá-la do hospital e lhe mostrar seu novo apartamento, que ela nunca tinha visto."

 

Depois de obter permissão dos médicos, Veldboer levou a mulher ao local.

 

"Eu a deixei com ele por algumas horas. Depois que foi trazida de volta ao hospital, ela morreu em uma hora", disse ele.

 

Lidando com a morte

 

Veldboer se deu conta desde cedo de que não pode ajudar a mudar o inevitável, mas pode tornar as coisas melhores.

 

"Depois de entender isso, você passa a ver o mundo de forma diferente", diz ele. "Não podemos prevenir ou impedir a morte - às vezes, devemos deixá-la seguir seu curso."

 

Mesmo durante a pandemia de covid-19, ele está ocupado ajudando muitos a fazer a última viagem.