POR QUE O BRASIL MASSACRA 1 MILHÃO DE ANIMAIS POR DIA EM SUAS ESTRADAS?
02/10/2015 16:03
BBC Brasil
Biólogos cobram ação contra principal causa de morte de animais silvestres no país e alertam sobre 'desgraça' em curso.
BR-101, norte do Espírito Santo, setembro de 2015. Um caminhoneiro sente um cheiro forte e localiza uma anta - o maior mamífero terrestre brasileiro - na margem da pista, em estado avançado de decomposição.
Cinco meses antes, no mesmo trecho da rodovia, biólogos encontraram uma fêmea adulta de harpia, a maior ave de rapina das Américas, debilitada por fraturas e hematomas. Por ali, restos de retrovisor de caminhão. No mês anterior, a vítima fora uma onça-parda.

As cenas com espécies ameaçadas de extinção são um retrato de um filme que não sai de cartaz no Brasil: a matança de animais por atropelamentos em estradas.
Essa é, de longe, a principal causa de morte de bichos silvestres no país, superando caça ilegal, desmatamento e poluição. São 15 animais mortos por segundo, ou 1,3 milhão por dia e até 475 milhões por ano, segundo projeção do CBEE (Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas), da Universidade Federal de Lavras (MG).
Quem puxa a lista são os pequenos vertebrados, como sapos, cobras e aves de menor porte - respondem por 90% do massacre, ou 430 milhões de bichos. O restante se divide em animais de médio porte (macacos, gambás), com 40 milhões, e de grande porte (como antas, lobos e onças), com 5 milhões.

A situação, dizem especialistas, é o resultado natural para um país que desconsiderou os bichos ao planejar as rodovias e ainda dá os primeiros passos na adoção de medidas para minimizar os impactos das vias.
Corrida contra o tempo
"Está acontecendo uma desgraça total e não temos tempo nem de estudar o que ocorre", disse à BBC Brasil Áureo Banhos, professor do departamento de biologia da Universidade Federal do Espírito Santo.
Banhos coordena um time que monitora os atropelamentos no trecho de 25 km da BR-101 que corta uma das manchas verdes mais intactas do país. É um mosaico de 500 km² (ou um terço da cidade de São Paulo) de unidades de conservação rasgado pela pista única da via.
Um exemplo do alerta do professor: das 70 espécies de morcegos identificadas na região, 47 já foram atropeladas na estrada - e uma delas era desconhecida da ciência até então. Ao todo, 165 espécies de diferentes animais perderam a vida por ali (10 anfíbios, 21 répteis, 63 aves e 71 mamíferos) – são 50 mortes por dia apenas nesse ramo da rodovia, ou 20 mil por ano.
Essa floresta integra as reservas de mata atlântica da Costa do Descobrimento, patrimônio natural da humanidade desde 1999. Por ser um raro fragmento contínuo de mata, é o último refúgio na região para várias espécies ameaçadas, como a anta, a onça-pintada, o tatu-canastra e a harpia.
O fotógrafo Leonardo Merçon, do Instituto Últimos Refúgios, fez um trabalho de registro da Reserva Biológica de Sooretama, a maior peça do mosaico verde da região. Impressionado pelos atropelamentos, acabou se engajando nas ações de conscientização para a gravidade do problema.
"Você nem precisa de dados para ver o impacto real do problema", afirma ele. Um vídeo do instituto que registrou uma onça-parda atropelada na estrada teve mais de 1 milhão de visualizações.
Em locais como esse, a perda de um único indivíduo pode ter impacto muito grande sobre a biodiversidade. "Engenheira" dos ecossistemas, por dispersar sementes e servir de presa para grandes predadores, a anta, por exemplo, leva 13 meses na gestação (com um filhote por vez) e demora dois anos entre as concepções.
Um possível caminho para os animais cruzarem para o outro lado da via são os dutos de drenagem de água sob a pista, mas nem sempre é simples mudar os hábitos dos animais.
Pesquisador da UFES Áureo Banhos em trabalho para adaptar os dutos de água fluvial para passagem de fauna; ao alto, um morcego passa pela manilha: ao menos 47 espécies desse mamífero já foram atropeladas na rodovia
"No parque nacional Banff, no Canadá, os ursos demoraram oito anos para começar a usar esse tipo de passagem", afirma Alex Bager, coordenador do CBEE. No caso da BR-101, apenas 15% dos bichos atropelados usam as manilhas.
Ou seja, talvez seja mais fácil mudar os hábitos dos motoristas, por meio de ações como redução de velocidade, radares inteligentes que multam pela média de velocidade (e não em apenas um ponto) e placas de advertência.
A Eco-101, concessionária responsável pelo trecho da BR-101 em questão, diz que o segmento tem dois radares fixos, velocidade máxima de 60 km/h (especialistas defendem 25 km/h) e dez placas educativas. Afirma ainda promover ações de conscientização e que estuda a "ampliação dos dispositivos de segurança para os animais silvestres".