Vaza Barris/Cocorobó, um manancial ameaçado pela seca

02/04/2013 12:48

Por José Dílson - euclidesdacunha.com em 22/01/2013 03:04:04, lido 1128 vezes.

Ele é um dos mais importantes reservatórios de água do Estado da Bahia e está entre os maiores açudes do Nordeste brasileiro. A sua construção se deu após uma visita do presidente Getúlio Vargas a região, quando pôde ver de perto a situação calamitosa de um povo marcado pela guerra cruel entre irmãos e a falta de água para a população.

A visita do Presidente Getúlio Vargas aconteceu no ano de 1950 e, em 1951 foi autorizada a construção do açude ficando o DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas), com a responsabilidade de administrar diretamente a obra.

Há quem diga que a construção do açude Cocorobó fora uma vingança do Governo contra os sertanejos que, sob o comando do Messias Antônio Vicente Maciel ou simplesmente “Conselheiro”, “Bom Jesus”, - como também era chamando pelos seus milhares de seguidores, que lutaram bravamente contra as duas expedições militares, impondo as mesmas às sucessivas derrotas e humilhações.

Somente na terceira expedição militar formada por mais de cinco mil homens e fortemente armada, inclusive com canhões de 70 mm, os militares conseguiram arrasar a vila do Belo Monte e os seus quatro últimos bravos moradores resistentes, entre eles uma criança, apagando-se assim essa triste lembrança para o glorioso exército brasileiro, inebriado pelas grandes vitórias contra as tropas do general Solano Lopes na guerra contra o Paraguay, saindo-se vencedor.

A construção do Cocorobó passou por várias etapas e, em alguns momentos chegou a paralisar ou diminuir bastante o ritmo da construção, até que, em 1968, após 17 anos de incertezas e esperança, finalmente foi dada como concluída e entregue ao Governo Federal.

Com previsão de ter a sua capacidade plena de 245.375.950 m³ de água, ocupando uma área de 2.395 ha, formando uma barragem homogênea com altura de 33,5m, numa região com pluviometria média de 477 mm, surpreendentemente, como surpreendente foi à resistência dos sertanejos conselheiristas contra as tropas federais na batalha desigual da Guerra de Canudos, o açude de Cocorobó atingiu a sua capacidade plena em, apenas, três dias de forte chuva (tromba d’água) que desabou sobre a região.

Pelos cálculos dos engenheiros responsáveis pela obra, seriam necessários 10 anos de chuvas regulares para que os 2.395 ha fossem cobertos pela espessa lâmina d’água salobra represada pelo rio Vaza Barris, cujas águas barrentas descidas em grandes volumes da Serra dos Macacos, no Município de Uauá era chamado pelos indígenas da região pelo nome de “mel vermelho” ou Ipiranga.

Na realidade, o rio Vaza Barris é um rio seco em sua nascente conhecida como Alagadiço Grande, uma várzea seca que só aparece quando chove. A Lagoa dos Pinhões é o referencial de sua nascente, pois, é a partir daí que o rio começa a ganhar corpo e receber as águas de riachos e encostas. Além de ser alimentado pelos rios Ipueira e São Paulo.

O Vaza Barris tem uma história muito bonita, poética, filosófica, metafórica, fantasiosa feita de chuva e de água do mar. Logo ele, um sertanejo autêntico que atravessa a caatinga, fica quase morto quando vira filete de água, cai num canyon de 40 metros e não morre, forma cachoeira; pois, cumpre resoluto a sua sina de misturar as suas águas de sabor amargo ao salgado do Oceano Atlântico, preservando e dando vidas novas em seu vasto estuário que termina na vila do Mosqueiro, na bela Aracaju.

Este rio caatingueiro que se mistura com restinga sem nenhum preconceito biológico carrega consigo uma triste lembrança de morte e de dor; pois, contra a sua própria vontade foi usado pelos homens que davam ordens no País, para apagar da história nacional o insucesso de confrontos de militares bem armados contra pobres jagunços munidos de espingardas de socar municiadas com pólvora artesanalmente fabricada no quintal de casa, com areia e carvão pilado, facas e punhais, facões velhos, tendo nos cactos, mandacarus, favela e o pelado como verdadeiros aliados.

Estes pobres sertanejos que queriam, apenas, um lugar para viver em comunidade e precisava de *‘amor e comida’ (*Petrúcio Amorim-poeta), cuja maioria havia sido abandonada pelos senhores donos de latifúndios e fazendas que os escravizavam, haviam acabado de ser “libertada” pela Lei Áurea, não tão aurífera assim, pois não lhes dera o devido respaldo, abandonando-os à própria sorte; a vagar pelas paragens do sertão e acreditando na ‘fartura do rio de leite (Vaza Barris) barrado com cuscuz’ tão anunciado pelo beato que profetizava que um dia o sertão viraria mar e o mar viraria sertão.

Mas, se pelo prisma da história enxergamos este lado ruim, não se pode dizer o mesmo desse nativo e lindo Vaza Barris que, mesmo em sua área mais inóspita, mantém viva a esperança de dias melhores para centenas de sertanejos que ocupam as glebas dos perímetros irrigados.

Muitos nem precisam diretamente da água do canal, pois são beneficiados com o vazamento de água provocado pelas rachaduras nas placas de concreto que revestem o canal principal e garante a umidade do solo e até armazenamento de água em suas propriedades, onde produzem hortifrutigranjeiros, peixes em cativeiro, aves e criam abelhas para a produção de mel.

Como se não bastasse à produção de alimentos, o “mel vermelho” dos outrora indígenas, agora, filtrado e claro, também proporciona lazer às famílias trabalhadoras nos finais de semana que acampam nas margens do canal, onde se refrescam do forte calor sertanejo, também, na prainha e no jorrinho abastecidos pela água fria do “doce-salobro” rio que alimenta o Cocorobó.

Neste período de chuvas de trovoadas, o açude de Cocorobó deveria estar com o nível da água bem próximo do normal, o que não acontece. Quando cheio, a lâmina d’água passa pela vila de Canudos Velho e atravessa a Rodovia Santos Dumont (BR 116/Norte) e segue em direção ao Município de Uauá, como se estivesse a fazer uma viagem de regresso ao lugar onde nasceu.

A seca inclemente que transforma o verde da caatinga em uma cor marrom e deixa arbustos e arvoredos com a leve impressão de que estão mortos e ressecados e, este cenário atual, em muitos casos é contrastado pelo verde escuro do juazeiro, do verde claro do umbuzeiro que, mesmo sem chuva floresce e frutifica.

Além de os pés de mandacaru com suas frutas vermelhinhas e o figo roxeado dos cactos protegidos pelos temidos espinhos, que servem de alimento para passarinhos e insetos melíferos.

Em pontos isolados também é possível ver a beleza da copa dos ipês, roxo, amarelo e o vermelho claro dos pés de mulungu em contraste com o branco dos pés de barriguda que parem lindos chumaços de lã de algodão e as pétalas brancas e macias das flores que, por muitos anos alimentaram veados, caititus, cotias e outros animais, hoje, quase extintos por conta da caça predatória feitos pelo homem insensível dotado de malvadeza e crueldade.

Cocorobó fez transformações importantes na região, pois proporcionou a implantação de perímetros irrigados em Canudos e Jeremoabo (Canché), tornando-os grandes produtores de banana, coco, quiabo, etc., gerando emprego e renda para os assentados e contribuindo para o fortalecimento da economia dos municípios.

A pesca, em dado momento, foi bastante explorada; porém, nunca deixou de existir, pois a quantidade de tucunarés, traíras, tilápias, pescada, lambaris ainda são encontrados abundantes. Além de a pesca ou criatórios em viveiros, cultivada pelos pescadores em associação.

A falta de incentivo e investimentos privados e/ou governamentais para aumentar a produção, a ausência de câmaras frigoríficas e de um frigorífico central prejudicam o desenvolvimento do município, pois deixam de serem fatores geradores de emprego e renda e arrecadação de impostos para o Tesouro Municipal.

Até mesmo uma pequena indústria pesqueira para aproveitar melhor a tilápia, em especial que, além de um bom e delicioso filé, pode ter o couro beneficiado e comercializado para a indústria de calçados, bolsas, acessórios masculinos e femininos, agregando valores.

O turismo náutico não existe. O turismo cultural não é explorado de maneira comercial e profissional, pois se limita a alguns movimentos temporários, quando se aproxima o dia 5 de outubro, data em que os mártires de Canudos são reverenciados pelos movimentos sociais liderados pela ala esquerda da Igreja Católica, pastorais, partidos e sindicatos de linha ideológica marxista.

À beira do Cocorobó está o Parque Estadual de Canudos, muito bem cuidado pela Uneb, fruto de um trabalho especial desenvolvido pelo Profº Luis Paulo Neiva e equipe, enquanto esteve à frente do Campus XXII de Euclides da Cunha.

Antes, era vergonhoso visitar o teatro de guerra, onde em seu palco fora travada a mais desigual luta de um povo que vivia em irmandade, contra o Governo pressionado pela burguesia e pela própria Igreja em conflito permanente com o ‘Bom Jesus’ do sertão.

Além de o Memorial da Guerra de Canudos, onde o visitante pode ver de perto peças e objetos da época da guerra, ossos fossilizados, armas, munição, réplicas de indumentárias usadas pelos soldados e ferramentas usadas pelos conselheiristas no combate às tropas do Governo.

Na vila de pescadores, em Canudos Velho, um pequeno museu criado pelo líder Manoel Travessa, mantido pela família com doações de visitantes, algumas lembranças da guerra: objetos e adereços tipicamente sertanejos podem ser vistos pelos turistas.

Em uma pequena casa de cultura mantida por entidade religiosa ligada à Igreja Católica, pode-se encontrar o cruzeiro crivado de balas que ficava à frente da velha Igreja, quase que totalmente destruída pelas balas das matadeiras (canhões) que queriam apagar completamente da nossa história aquele episódio triste que se transformou na maior epopéia brasileira.

Aliás, em ruínas, a velha igreja e o cemitério, submersos pelas águas do Cocorobó, continuam resistentes às águas e ao tempo e, como os bons e velhos jagunços heroicos conselheiristas que nunca se deram por vencidos, apesar de sufocados por tantos tiros de fuzil e canhões de fabricação alemã, insistem em continuar de pé, mesmo que parcialmente destruídos.

Na década de 1970, quando a primeira grande seca se abateu sobre a região e o volume de água ficou bem abaixo do nível normal, eles, cemitério e igreja, apareceram e se mostraram como se quisessem dizer: “estamos aqui, mesmo mortos e afogados estamos de pé. Vocês não nos destruíram totalmente!” Agora, 32 anos depois, o fato se repete.

Parafraseando o escritor Euclydes Pimenta da Cunha, em Canudos, “sertão, igreja e cemitério são antes de tudo, fortes. Não há símbolos de resistência comparáveis para o povo sertanejo da Bahia.

Mas, o açude, mesmo com a lâmina d’água baixando cerca de dois centímetros por dia e formando várias ilhotas e pequenas piscinas onde os carros pipa pegam água para abastecerem comunidades distantes da sede do município e na região de Uauá, ainda há água suficiente para mais um ano, sem que haja necessidade de suspender o fornecimento do precioso líquido para os perímetros irrigados. Segundo foi informado pelo senhor Genilson Carvalho Couto (Lica), funcionário do DNOCS que faz a medição diária do volume de água do açude.

Pelo telefone, Lica, como é conhecido, disse ao repórter José Dílson Pinheiro, que se por acaso não chover forte na região até o mês de março, quando termina o período das trovoadas, as coisas vão piorar muito para o ano de 2014.

Para este ano de 2013, ainda há reserva de água para atender às necessidades da população da cidade, do perímetro irrigado, entre outros; pois, o açude se encontra com cerca de 60 milhões de metros cúbicos de água, mesmo com 11,22m de água abaixo do sangradouro.

Em alguns pontos do açude, o Exército Brasileiro, que fiscaliza o serviço de abastecimento de água às comunidades carentes, já proibiu que carros pipa pegassem água nas proximidades da vila de Canudos Velho e já advertiu aos caminhoneiros transportadores de água para o Município de Uauá, que se o volume de água desta parte do açude também abaixar demais, eles vão ter que suspender o carregamento no local.

Para os sertanejos de fé, as chuvas tão esperadas ainda estão por vir e, com elas, a esperança de dias melhores e que o Vaza - Barris volte a ocupar o seu leito com água em abundância passando debaixo da ponte do riacho Salgado, também, em direção à sua nascente e o verde dos perímetros irrigados continue na bela paisagem em meio à caatinga.

Antes de concluirmos esta reportagem, fomos informados de que fortes pancadas de chuva caíram na região de Uauá e Canudos, aumentando a esperança de chuva em abundância para os sertanejos que margeiam o Vaza - Barris do sertão de Uauá e Canudos até o litoral sergipano, alimentado pelos mais de 40 km do estuário que embeleza e enriquece a fauna e a flora marinha da Ilha do Mosqueiro. Assim, como na guerra Canudos não se rendeu o Cocorobó também não secará.

*trabalharam nesta reportagem: José Dílson Pinheiro, Jaciel Correia e Ivan Carlos fotógrafos. Edição - Jaciel Correia.

Fonte de pesquisa: Google, caminhoneiros de Uauá, pescadores da colônia de Canudos, moradores da região, funcionário do DNOCS.


Redação do chorrochoonline.com


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